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quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O Retorno

O desaparecimento de Otto no Departamento de Homicídios tinha sido uma estocada no estômago para muita gente. De repente vinha à tona o abandono em que o deixaram depois daquele fatídico acidente que lhe rendeu um eterno se arrastar. Ficou por ali no departamento, indo e vindo, naquele mar de processos, até se tornar invisível.

Otto era meu amigo desde a escola fundamental. Conheci sua fibra de investigador quando ele desbaratou uma quadrilha de mafiosos que roubavam calcinhas. Era sagaz e inteligente e sempre pronto para acobertar minhas investidas nas bonecas do pedaço.

Agora se podia ver em seus olhos uma insegurança desolada. Fragmentava-se num nada, naquele vai e vem, arrastando atrás de si a solidão.

Eu tive um estalo quando dei um encontrão em Otto, fazendo voar uma pilha de seu tedioso trabalho. Juntos, em silêncio, juntamos folha por folha. Senti que tinha que resgatar aquele brilho em seu olhar novamente.

Planejei tudo enquanto esperava o sono relutante. Tinha uma suspeita martelando na cachola. Oferecia resistência por ser maluca, mas lá no fundo de meu cérebro resguardado, eu iria colocar Otto novamente na ativa com pompas e glória.

Desconfiei de uma dona muito gostosa que apareceu na delegacia para pegar um alvará para o seu estabelecimento. Ela estava abrindo um Pet shop cheio das milongas. Embromei a dona dizendo que o alvará seria entregue no local. Dei uma de incerto quanto ao dia e despenquei no recinto da madame de surpresa.

Tudo muito limpo e bem montado. Dona Circe, assim se chamava e tinha vindo pra ficar. Ela surgiu por detrás de uma dessas portinhas vai-e-vem com um vestidinho de malha e um decote que me deixou com o nível de testosterona batendo pino. Meu gatilho disparou na hora. Bati o joelho numa cadeira de mogno maciço quando disfarçava aquele transtorno que me surgia entre as pernas.

Foi quando ela abriu a gaveta para pegar uns curativos, que vi uns pacotinhos de pó branco. Disfarcei e a partir daí, comecei minhas investigações.

Ela era da Colômbia e tinha contato direto com o cartel de Medelim. Sua loja era uma fachada para um inusitado tráfego de cocaína. Era a tinhosa em pessoa, comandando uma arapuca do cão, era bacharel em maconha e tinha doutorado em cocaína.

Promovia competições e concursos de beleza para os cobiçados cãezinhos. Mandava-os para todos os cantos do mundo, mas com as pancinhas atoladas de cápsulas de cocaína, abastecendo assim vários pontos da Europa e das Américas.

Pensei em Otto quando escrevia meu relatório de aparências inevitáveis. Já que ele estava encostado no departamento sentindo-se um peso morto, resolvi quebrar aquele círculo vicioso. Deixei em sua mesa, pistas montadas para que desvendasse o "Caso Circe". Ele caiu que nem um patinho.

Vi quando entrou naquela geringonça azul calcinha, que chamava de "possante". Era o xodó dele. Aquele carro era tão velho que nem marca tinha, acho que um dia foi um Corcel.

Como eu imaginava, Otto estava mais do que lúcido para um investigador. Foi batata! Ele descobriu tudo sem muitos rodeios e a dona Circe começava a ser mais uma estatística.

Quando ele voltava para pedir escolta, segui-o à distância. Queria ver a cara do pessoal do departamento quando soubessem que o Otto estava vivo, manco, mas na ativa novamente.

Otto não desapareceu, Otto era "o cara"!

FIM

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