As Amigas
Já era a oitava vez que o maldito telefone tocava. Como se eu não tivesse nada a fazer num dia como hoje.
- Alô!
- Alô, alô, é você? Graças a Deus!
- Recebeu minha encomenda?
- Sim, sim, não está ouvindo o estardalhaço do coitado?
- Ainda bem que chegou! Estava preocupada se ia dar tempo de você prepará-lo.
- O quê? Você está brincando que eu vou ter mesmo que “preparar” esse desequilibrado! Ele está totalmente descontrolado.
- Fique calma! É assim mesmo da primeira vez, depois você se acostuma.
- Nunca vou me acostumar com um troço desses! – Ai!
- O que foi agora?
- Ora, quem podia ser? É ele dando voltas na cozinha.
- Vocês estão na cozinha?
- É claro, onde mais eu poderia fazer isso!
- Meu deus, faça logo, antes que ele comece a ficar nervoso!
- Ta, ta, ta, que horror, eu não consigo!
- Já deu bebida pra ele?
- Claro! Ele secou uma garrafa da melhor cachaça que eu tinha, mas o desgraçado não se entrega.
- Pelo jeito é dos durões! Nesse pé, isso vai levar a tarde inteira, querida!
- Não agüento mais! Estou apavorada. Você bem que podia vir aqui.
- Nem pensar! Tenho muitas coisas aqui para aprontar. – Alô! Não estou ouvindo nada, Fale mais auto!
- Sinceramente, não sei se vou conseguir dar conta desse infeliz. Você não faz idéia de quantas voltas eu já dei nessa cozinha.
- Pegue a faca!
- Já pensei nisso, mas não consigo. Estou horrorizada!
- Você é uma piada, mesmo! Primeiro se mete em fazer uma coisa dessas e justo na véspera do Natal. – Alô! Você ainda está ai?
- E para onde você queria que eu fosse. Será que vai doer?
- Do jeito que ele está chumbado de pinga, minha amiga! Não vai sentir nadica. Fique fria e mete logo essa faca! – Alô! Qual o problema?
- Ele está olhando pra mim! Parece que está implorando. Ah, meu Deus!
- Esqueça isso, senão você não vai conseguir terminar essa merda pra hoje.
- Sim, sim, sim!
- Pare de berrar e corte logo o pescoço dele! Vá, corte agora!
- Desisto! Ele está murmurando algo. Parece que quer falar comigo.
- Eu não acredito que essa maldita ligação vai me tirar do sério. Você não sabe que não é a única a ter problemas na véspera do Natal. Não sabe, não!
- Espere um minuto, escute! Por favor, me escute. Depois que eu arrancar a cabeça, o que eu faço com o corpo? E todo o sangue? Você já imaginou a quantidade de sangue que ele deve ter?
- Eu já te expliquei todo esse procedimento. Não vai amarelar agora, vai?
- Eu sabia que você era doida, mas fria desse jeito, não.
- Pare com isso sua fracote e corte logo esse maldito pescoço, porra!
- Fique na linha que eu te mostro quem é a fracote. (Ai, desgraçado, morra infeliz! Pare de espernear, filho da puta!). – Alô!
- Viu como não foi um bicho de sete cabeças. Você é uma comédia!
- Fiquei com pena dele! Fez até xixi nas calças de medo.
- Calças, que calças?
-As dele! E você acha que ele viria sem as calças?
-Ele quem, infeliz?
- O Alberto, pô!
- Que Alberto? O peru chamava Alberto?
- Peru, que peru, desgraçada?
- Com quem eu estou falando?
- Andréa! E você, quem é?
- Cristina. – Alô, alô...desligou.
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