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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Cilada

Desenho de André Toma



Era véspera de Natal, Andréa esperava pelo homem que teria de matar. Tinha sido preparada para aquele momento por Arlete, chefe da Homicídios. Ela ficaria em sua casa esperando pelo ’serial killer’ que já tinha matado, por estrangulamento, dezessete moças. Todas com o mesmo perfil e Andréa se encaixava nele. Uma mulher bonita e ferida no rosto.


Arlete sabia o que fazia quando a escolheu para aquela cilada. Todo o Departamento contava com o sucesso dessa emboscada. Era através de um anuncio de jornal que ele vinha. O anuncio mostrava a foto de Andréa e dizia que gostava de rapazes carinhosos e bonitos. Ela estava linda e mostrava muito bem a cicatriz que marcava o seu rosto do lado direito. Trabalho de mestre, feito por um maquiador de teatro, conhecido de Arlete.


Andréa olhava pela janela perscrutando o tempo, e tudo o que teria de fazer quando chegasse a hora de enfrentar o que vinha pela frente.


Uma longa tarde parecia ter começado. A sombra da árvore do jardim balançava inquieta refletindo-se na parede da sala. Não podia recuar agora. Tudo flutuava em seus pensamentos como uma mancha vermelha. Teria que buscar forças no desespero das moças que apodreciam em seus caixões.


Andréa queria ter um lugar de destaque na Homicídios e não poupou esforços para conseguir ser notada por Arlete, a loira durona do Departamento.


Uma sombra de homem foi projetada na parede da sala. Era ele. Tremula, se preparou para abrir a porta. O teto da sala balançava desigual. Ela mergulhou nas profundezas de seu medo deixando-se desfalecer. Respirou fundo segurando-se na estante do corredor que dava para a porta de entrada. Sua mão bateu no anjo de porcelana que voou longe, indo se espatifar contra a porta.


Quando a porta se abriu, o jovem ali parado, olhou desconfiado por causa do barulho. Os cacos de louça no chão, ela se segurando na maçaneta com tanta força. Perguntou se estava tudo bem e deu uma boa olhada para dentro da casa. Ela se desculpou pelo estardalhaço da louça e pediu que ele entrasse. Estenderam as mãos e ele disse o seu nome:

- Muito prazer, Alberto! Vim para o encontro a mando de Arlete.


Andréa sabia das artimanhas que ele provavelmente usaria para entrar e ficar a vontade com ela, só não entendeu porque ele falou em Arlete. Ele recolheu os cacos do chão e colocou-os cuidadosamente sob o console do corredor. Andréa agradeceu e disse que estava fazendo café e foram para a cozinha. Andaram juntos e seus passos faziam ranger o assoalho.


Enquanto tomavam o café, ali na cozinha, ela viu a ponta de uma cordinha saindo do bolso de trás da calça dele. Fingiu não ter visto nada e lhe ofereceu uma cachaça. Ele adorou a idéia e quis experimentar. Foram conversando sobre banalidades, sobre boas cachaças e ele foi tomando uma dose atrás de outra. Depois do terceiro copo, já tinha perdido a noção das coisas. Andréa olhava aquele corpo cambaleante, tão bonito e que teria que matar a qualquer momento.


Não sentia mais o calor do café, e sim um frio gelado percorrendo seu corpo. Pensava como tinha se metido numa coisa tão pavorosa como esta. O que faria, agora que estava frente a frente com esse matador desgraçado. Tinha que ligar para Arlete antes de executar o plano. Ela buscava com esperança que fosse um engano, que tivessem mudado de idéia. Precisava achar coragem, pois provar sua competência para trabalhar com Arlete era o ponto mais importante naquele momento.


O telefone tocava, tocava e ninguém atendia, até que uma voz feminina respondeu. Andréa estava totalmente descontrolada, e falou aliviada:

- Alô, alô, é você? Graças a Deus!

Na outra linha a mulher perguntou:

- Recebeu minha encomenda?

- Está aqui na cozinha comigo.


Dali em diante foi uma conversa doida sobre encorajamento. A outra dizia para ela não vacilar e cortar o pescoço dele, que seria fácil, que tinha que ter coragem e coisas assim. Cortar e pronto. Tudo ficaria resolvido.


Andréa enlouquecia de pavor, mas dizia que nunca seria uma fracote, que era confiável e que a Arlete poderia contar com ela, sempre.


Não foi um trabalho silencioso. Ele enfrentou aquela faca como pode. Era um pesadelo se formando em sua retina. Estaria fora dali, depois que acordasse voltaria para o Departamento e diria que a ‘serial killer’ era a dona Andréa. Via os olhos da moça ceifando sua vida com a faca de cozinha e podia ouvir ela falando alto com alguém no telefone. Era um zumbido horrível em seu ouvido. Estava apavorado. Caia na obscuridade de seu próprio sangue.

Andréa gritava com a mulher ao telefone uma conversa difusa sobre faca e um peru de Natal. Dizia a ela, que ele havia feito xixi nas calças de medo. A outra parecia uma doida querendo saber o nome de Andréa e que negócio era esse de um peru com calças.


Agora percebia que era sobre coisas diferentes que falavam. Não era para cortar a cabeça de Alberto e sim de um peru que tinha que ser preparado para a ceia do Natal. Mas afinal quem era a mulher no telefone? Perguntou a nome dela quase gritando e ela disse:

- Cristina.


Andréa se levantou daquela espiral de enganos com os olhos cerrados por varias camadas de escuridão. Foi quando ouviu a campainha tocando.

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