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sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Infiltrado

  Tela de Mário Eloy Pereira


Fazia um calor opressivo e irrespirável em Chicago naquele verão. Quem conhecia o inverno dali não podia imaginar um calor daqueles. Os bares ferviam com seus blues. Mas as coisas não andavam bem entre os dois chefões que dominavam os negócios ilícitos do lugar. Eles eram Dom Corleoni Bellagamba e Dom Gaetano de Lampeduzza, dois mafiosos da Sicília que tinham se instalado em Chicago, e dividiram a cidade.

Dom Corleoni era o manda chuva que dominava toda a jogatina do lado sul da cidade. Era dono de mais de vinte casas de apostas. Dom Gaetano controlava a prostituição de todo o norte. Tudo estava dividido, de forma que nenhum se metia com o outro. Isso até os dois resolverem cair de boca no negócio dos assaltos a banco. Foi aí que o bicho pegou.

Antonello Gambetta, o Toni, braço direito de Dom Corleoni, estava, numa tarde, tomando uma cerveja no bar do Billy Caolho, quando viu, do outro lado da rua, um sujeitinho franzino, baixinho, que mais parecia um moleque de recados, dar um safanão em dois capangas de Dom Gaetano, que estavam aos cochichos. Foi tudo tão rápido, que, se Toni não estivesse de olho comprido naqueles dois, teria perdido a cena. Toni era muito esperto, sabia reconhecer confusão a quilômetros de distancia.

Toni viu quando o rapazinho se jogou contra os dois capangas, que estavam parados conversando na calçada, e surrupiou um envelope do bolso de um deles. A ação foi tão rápida, que o capanga só foi perceber minutos depois.

Toni, só de olho na cena, viu quando o ladrãozinho entrou numa Ford Pick Up verde, que já estava a postos esperando por ele, e saiu chispando, queimando os pneus na maior velocidade.

No mesmo instante, Toni deu um pulo da cadeira e se atirou num salto fenomenal para dentro de sua Ferrari conversível, vermelha, que estava estacionada em frente ao bar. Ligou o carro e deu asas a ele, voando na direção do furgão.

Rodaram um bom tempo. Toni sempre disfarçando para que eles não percebessem que estavam sendo seguidos. Mas eles eram muito espertos, e pelas vezes que viraram no mesmo lugar, sabiam da perseguição. Pararam numa casa de tijolinhos aparente e janelas com cortinas lilases. Toni reconheceu o lugar imediatamente. Era um puteiro decadente chamado “Borboletas Lilases”. Ali só tinha meninas caipiras, vindas de outros estados, expulsas ou fugidas de casa. A dona do estabelecimento era um verdadeiro canhão, chamada Waleska. Uma mulher feia, de nariz largo e boca grande, com os cabelos sempre mal tingidos, mas com bom coração. Aceitava as coitadas que apareciam em sua casa, sem fazer muitas perguntas.

Toni deu uma volta pelo quarteirão analisando o local, só para ver se pescava algum movimento estranho. Como os dois rapazes não saiam da casa, resolveu entrar. Perguntou sobre o dono do Ford verde estacionado em frente a casa, e uma das moças lhe disse que estavam num quarto com algumas meninas e, de lá, só sairiam bem mais tarde. Então, Toni resolveu voltar no começo da noite, e foi embora.

O que, exatamente, Toni estava querendo com aquela investigação? Ele tinha faro para achar bons capangas para Dom Corleoni. Não era à toa que tinha ganhado a Ferrari do chefe, no dia do seu aniversário. Naquela tarde, tinha vislumbrado no magrelo a pessoa certa para executar uma missão que estavam planejando já há algum tempo.

À noitinha, ele despencou no ‘Borboletas’. Nem bem chegou, deu de cara com o rapazote, que estava encostado na porta de entrada, fumando uma cigarrilha mentolada. Toni aproximou-se dele, como quem não quer nada, mas tomou um susto, pois, sem mais nem menos, ele jogou o cigarro do lado e foi peitando Toni na maior valentia. Disse ao Toni, todo nervosinho:
- O que é que tá pegando, hein almofadinha?
- Hei, calma lá, meu brother!
- Brother o cacete! Não venha botar banca para cima de mim. Não se faça de besta! Você se acha muito esperto, não? E eu não te vi na maior perseguição, hoje à tarde? Deixe de fazer cera e desembuche, carrapato!

Toni estava atônito, por aquela ele não esperava, o frangote era valente mesmo. Encarou-o e disse:
- Menino, você é melhor que a encomenda.
- Encomenda? O que você sabe da encomenda de hoje à tarde?
- Calma aí, possuído! Nada sei daquela encomenda que você surrupiou na mão leve daqueles dois capangas.
- Dois otários, isso sim! Acontece que aqueles dois filhos de uma égua estavam querendo me passar para trás, com uma encomenda que era minha por direito, mas acabaram dançando, porque comigo não, violão.



Toni apresentou o magricela a Dom Corleoni. Seu nome era Baby Strombolli. Apesar dele aparentar uns vinte anos, tinha na verdade trinta e cinco. Era, simplesmente, o melhor e mais esperto capanga de Dom Gaetano. Além de esperto, era um bocado ambicioso, por isso não foi difícil convencê-lo a aceitar o serviço de “entregador”. Ele, em troca, levaria dois lingotes de ouro.

Quando Baby viu o futuro pagamento nas mãos do capo, deu um salto da cadeira, como se tivesse sido espetado por uma agulha. Ele já tinha projetos para aqueles lingotes, e não os perderia por nada. Para ganhar essa bolada, ele sabia que tinha que ser muito esperto, mas ele se garantia, sabia que era um macaco velho no negócio da contravenção. O trato era o seguinte:

Na Penitenciária do Estado, estava um capanga de Dom Corleoni, que havia feito um mapa, todo detalhado, do Banco de Investimento de Chicago. Esse sujeito mofava na cadeia, justamente por ter tentado assaltar esse banco e não ter conseguido. Ele sabia tudo do local, pois havia trabalhado lá como segurança. Dom Corleoni achava que, agora com esse mapa, conseguiria entrar e sair desse banco sem problemas. Seria um dos maiores assaltos que faria. Depois disso, poderia expandir seus negócios.

Pegar esse mapa não era nada fácil. Já tinham tentado vários contatos com esse capanga, mas ele era extremamente vigiado. Todas as tentativas de retirar esse mapa haviam falhado. Tentariam agora com o Baby que, se por acaso caísse nas mãos dos meganhas, pensariam que era mais uma das tramóias de Dom Gaetano, já que Baby, realmente, fazia parte da turma de carcamanos rivais.

Dom Corleoni ainda perguntou ao Toni se o Baby era mesmo de confiança, se na última hora, não ia mijar para trás. E Toni respondeu:
- Não o subestime, capo. Baby é o melhor para esse serviço!
- Espero não me arrepender, Toni. Você sabe que eu prezo demais a confiança que lhe deposito.

E foi assim que Baby Strombolli entrou para o caminho de mão dupla, servindo a dois senhores. Agora ele era um infiltrado.

No dia marcado para visitas, Toni e Baby estavam a postos em frente a penitenciária. Combinaram que, logo depois da visita ao carcamano que estava preso, se encontrariam no bar Quatro Olhos, que ficava a duas quadras do local. O tempo foi passando, a hora da visita já tinha se findado há mais de meia hora, e nem sinal do Baby.

Um suor gelado começara a se instalar na testa de Toni. A barriga já dava sinais de um transtorno eminente. Sua reputação estava em jogo. O capo Dom Corleoni tinha confiado nele, dado total carta branca naquele caso. Ele sabia que, se falhasse, deixaria de ser o braço direito da máfia. Desde os seus quinze anos, ele tinha as costas quentes com Dom Corleoni. Seu pai tinha sido como um irmão para o capo. Ele  morreu se atirando em frente ao corpo de Dom Corleoni, numa emboscada feita pelos policiais, num assalto a uma joalheria. Antes de morrer, o pai de Toni fez Dom Corleoni prometer que cuidaria do seu bambino.

Agora Toni estava com as calças nas mãos esperando aquele frangote. Sabia que todos entrariam numa bufunfa lascada, tinha que manter a calma. Era só ficar de antena ligada, que tudo daria certo.

Toni já estava começando a desconfiar da demora do Baby. Pensou: Esse magricela ainda vai queimar o meu filme com o capo. Ele que não seja besta, porque eu acabo comendo seu fígado num hambúrguer.

De repente, Toni ouviu um barulho vindo da calçada. Olhou pelo espelho retrovisor e viu um cegueta, velho e capenga, vindo na direção da Ferrari. Batia com força uma bengala no chão, fazendo o maior estardalhaço. Ele estacou em frente a porta do passageiro e falou:
- Missão cumprida! Vamos embora.
Toni, que já estava tremendo, prestes a ter que sair correndo para visitar um banheiro gritou:
- Caramba! É você mesmo, malandro? E não é que o frangote conseguiu? Como foi que você fez?
- Nada que uma bengala oca e um bom disfarce não resolva.
Entrou no carro, bateu nas costa de Toni, e saíram, queimando os pneus, rindo pela avenida.

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