Ilustração de Kael Kasabian
- Sabe a Clarinha, irmã da Dulce, que se matou o ano passado?
- Sim, me lembro! Aquela que tomou remédio pra dormir e enfiou um saco de plástico na cabeça?
- Essa mesmo. Você acredita que ela vai se casar com o filho do pastor Hans?
- Não me diga uma coisa dessas, menina! E eu que estava arrastando uma asa pra ele. E foi assim, de repente?
- De repente uma ova! Eles estavam num “lovi” desde aquele passeio de jovens, da Congregação de Fiéis do Sétimo Raio Celeste.
- E o pastor já sabe que o Elizelzinho e a Clarinha estão juntos? Você sabe que o pastor alemão não vai com os bofes da Clara, não sabe?
- Sim, sei, mas aconteceu!
- E como foi? Você sabe?
- Nem lhe conto nega, foi amor a primeira mordida! O Elizeuzinho e a Clarinha, no dia do passeio que, aliás, foi um fiasco, se afastaram do acampamento e se mocozaram perto da cachoeira. Você sabe como o pastor é obcecado em separar os sexos nesses encontros de jovens. O cara vê maldade em tudo. Quer ver o filho casando virgem. Depois que a dona Bavária, mulher dele, fugiu com o sacristão Edmundo, ele endureceu na criação do menino.
- E os pombinhos?
- Bem, eles não foram parar na cachoeira pra tomar banho, isso é que não! Foram pros finalmentes, isso é que sim! Acontece que um dos tutores, o Lindalvo surtou. Acho que você conhece o figurinha?
- Aquele pitbull? Conheço sim. Odeio aquele cara dissimulado!
- Pois o desgraçado foi atrás dos dois! Ao invés de chamá-los e alertá-los, ficou de tocaia, anotando tudo.
- Que nada, ele deve ter ficado é se masturbando, aquele tarado. O cara tem vinte dedos nas mãos e duas línguas. Esqueça essa múmia e conte dos pombinhos.
- Bem, antes de lhe falar dos ‘pombetos’, quero contar outra muito boa. Sabe o Carlinhos, o gorducho, filho da dona Alzira, a cartomante?
- Sei.
- O filho da mãe seguiu o Lindalvo e ficou escondido atrás de uma árvore, e pôde ver tudo o que se passava. Como você acha que eu fiquei sabendo de toda essa história?
- Ah, foi o fofoqueiro do Carlinhos? Só podia ser ele mesmo! Termine de contar a cena da cachoeira.
- Eles se atracaram, nus como duas enguias alucinadas, e fizeram um amor tão espetacular, que deixou o Lindalvo se mordendo todo. O danado ficou com tanta inveja, que saiu correndo pra contar ao pastor Hans.
- Puxa saco invejoso! E aí, e o pastor?
- Ficou sabendo, é claro, e, em seguida, saiu desembestado para a cachoeira, atrás do Elizeuzinho. Ele e o cabeçudo do Pitbull Lindalvo. Chegando lá, os encontraram galopando como dois selvagens. Dava pra ver a baba escorrer da boca do pastor, de tanto ódio, ao ver o filho subindo e descendo da potranca.
- O pastor deve ter sentido é inveja daquilo tudo, isso sim. Tudo isso é de arrepiar.
- Arrepiar? Eles estavam paralisados com a cena. Ver o casal gemendo e se contorcendo dava desespero. A Clarinha, toda achatada, asfixiada pelo Elizeu, gemia: “Ah, entra em mim! Mais fundo, isso, mais fundo!”. Ele agarrava as coxas dela com força, agradecendo por ser o primeiro. Ela delirava sentindo o sêmen quente e ácido, se esparramando dentro do seu ventre úmido e quente. As línguas se sugando num espantoso encontro e as mãos dela agarrando o pênis sólido e do tamanho exato de seu desejo, estrelas transfiguravam seus rostos em êxtase.
- Para, para, que eu já estou excitada! Essa última parte aí, você deve ter lido em algum conto da Rachel Moraes, não é?
- Mais ou menos... Fiz uma adaptação. Pois saiba que foi assim, excitados, que ficaram o pastor alemão e o pitbull Lindauvo.
- Não se esqueça do Carlinhos atrás da árvore!
- Que nada! Ele estava firme, só anotando o desempenho daquilo tudo. Não sabia se olhava pros pombos ou pros cachorros loucos. Os dois homens olharam-se totalmente descontrolados, e sem saber nem como, nem por quê, se atracaram ali mesmo como duas feras, numa fúria bestial. Os dois, com um só pensamento: ‘de que só se vive uma vez’. Numa fração de segundos, suas roupas foram arrancadas, e ali no meio dos gravetos, o Lindauvo se ajoelhou para receber as estocadas no rabo. O pastor gritava de prazer: “Glória Deus nas alturas!”. Aqueles dois gemiam mais do que o coral das pastorinhas. “É o murmúrio do sangue, louvado seja Deus!”, dizia o pastor e socava o rabo do Lindalvo.
- Essa parte você deve ter tirado do Nelson Rodrigues, né amiga?
- Você não perde nada, hein? Bem, foi nessa luxúria desenfreada de gritos de prazer do pastor e de dor do Lindalvo, que os pombinhos ouviram e vieram ver a inenarrável e dantesca cena do pastor alemão comendo o pitbull.
- Você está de brincadeira, né?
- De jeito nenhum, amiga, é a pura realidade.
- E como eles ficam?
- Oras, ficando! Aquilo se espalhou como o vento pela boquinha santa do Carlinhos. Eles não tiveram vergonha de confirmar. Assumiram tudo.
- Quem diria, hein? O pastor, cheio de hipocrisias, provou do próprio veneno.
- O pastor e o Lindalvo estão vivendo agora na maior felicidade.
- E os pombinhos?
- Se casam agora em setembro. Todos da igreja estão convidados.
- Amiga, eu custo a acreditar!
- Pois acredite, a vida é assim, cheia de surpresas. O pastor disse ao filho que sua vida estava sem oxigênio. Agora não, tudo eram nuvens de algodão. Tudo certo, a não ser pelos telefonemas que eles andam recebendo de madrugada.
- Quais telefonemas?
- Eles não sabem. O Elizeu comentou com a Clarinha, e ela me contou que, todas as madrugadas, o telefone toca na casa deles, e só se ouve uma respiração atormentada, que mais parece uma briga de cachorro louco.
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