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sábado, 24 de maio de 2008

Até Amanhã

Foto de Lee Friedlander


Quando eu concordei com Odile sobre aquela situação imponderável, não imaginava no que estava me metendo. Ela me deixou um bilhete logo de manhã, antes de sair para dar suas aulas de música.

Quando comecei a ler aquela folha perfumada, dentro de mim foi crescendo uma emoção torrencial. Quando vi a foto da jovenzinha, presa por um clip na folha, fui sendo envolvido por um jardim de delícias. Minhas mãos começaram a tremer só de imaginar o marfim daquela pele jovem.

Eu achava que Odile já tivesse se conformado com o fato de não poder ser mãe. Tentamos ter um filho por anos e nada que fizemos tinha dado resultado. Adotar para nós estava fora de cogitação. Íamos levando nossa vida solitária ‘a dois’. Fomos sofrendo uma decepção atrás de outra, até que o tempo foi amortecendo nossa vontade. Não percebi que essa “vontade” em Odile estava somente repousando.

Ao sair do estado de estupefação em que me encontrava, guardei o bilhete e esperei por Odile. À noite, ela entrou na sala triunfante. Trazia luzes nos olhos e um sorriso contagiante. Ri com ela, sem mesmo saber exatamente o que significava tudo aquilo.

Enquanto ela preparava nosso jantar, fiquei sentado à mesa da cozinha, esperando uma explicação para aquela história. Olhava por cima da cortina dos anos, que agora envolvia aquele corpo de senhora e sentia saudades de nossa juventude. Nosso amor agora era feito de silêncios. Éramos uma densa sombra cobrindo um ao outro. Poderíamos ser irmãos se as alianças não nos lembrasse do casamento.

Mentalmente eu traçava um percurso para a foto em cima da mesa. Odile, percebendo minha intenção, falou:

- É linda, não?
- Quem? Respondi, disfarçando o meu interesse.
- Oras, quem! A mocinha da foto. Será sua se concordares comigo!
- Como assim!
- Eu quero ser mãe, preciso ser mãe, meu querido Solano.
- Mãe? E como será isso se tens cinqüenta anos?
-Eu tenho, mas ela não!

Quando Odile apontou a menina da foto, gelei. Congelei quando ela me disse:

-Contratei-a para gerar o nosso filho.

Confesso que ao ouvir tamanha maluquice não desgostei da proposta.

- Barriga de aluguel, é isso mesmo que estou pensando?
- Isso mesmo, Solano de Deus, é sobre o nosso filho. Ele poderá vir finalmente através dessa garota linda e saudável.
-E quando vai ser isso Odile?
- Hoje mesmo, ela vai vir hoje à noite.

E essa “noite” chegou com o nó que se instalou em minha garganta. Já não cabia em mim de tanta curiosidade.
Finalmente a campainha tocou e Odile abriu a porta da sala. Elas vieram em minha direção em câmera lenta, como num filme. Miranda era o seu nome. Bronzeada e sorridente, se apresentou como uma pequena e singular ninfa dos bosques. Tinha uma timidez sutil e um jeito doce de colocar as mãos no regaço.

Fiquei completamente confuso com a situação. Olhava para Odile pedindo socorro. Ela se mantinha calma como nunca tinha visto. Disse-me que Miranda ficaria conosco, quer dizer... comigo, por dois meses. Esse era o trato. Eu ficaria com aquela coisinha ardente, de olhar sonolento, quase entorpecido e faria, todas as noites, com ela o nosso tão esperado filho. Por pouco não gritei de impaciência e paixão para começar logo aquela ‘árdua tarefa’.

Odile se mudou para o quarto de hóspedes e parecia tranqüila. Beijou-me o rosto e disse: Faça o que você sabe fazer de melhor. E foi o que fiz durante aqueles dois meses.

Ressuscitei de meu letárgico e acomodado amor compassivo que tinha com Odile para um estado de desespero escaldante. Fiquei realmente enlouquecido naqueles dias de voluptuosidade. Eu, que era considerado por Odile frio e recatado, agora estava em completo estado de cio. Como um lobo, rastejava aos pés de Miranda, que sedenta se abria para mim. Durante o dia, não tinha coragem de olhar para Odile, que discreta, fingia nem perceber meu constrangimento. À noite, eu voltava ao quarto para reger aquela orquestra de violinos no corpo de Miranda, que afinada respondia com suaves gemidos de prazer.

Contei-lhe segredos, prometi-lhe sonhos e ela se oferecia sempre mais e mais. Eu pegava dela cada suspiro, cada entrega. Era minha menina concubina, ávida de paixão e eu ia sedento, procurando o fim daquele corpo frenético, que queimava cada vez que era tocado. O tempo parecia ser pouco para tudo o que eu tinha que marcar naquela sereia.

Quando eu estava quase me fundindo naquele bosque, rumo ao êxtase, Odile me acorda com a novidade.

- Miranda está grávida. Agora ela terá que ir para um outro lugar para esperar o nosso filho.

Eu sabia exatamente o que significava cada palavra que Odile falava. O ar se tornou vermelho-escuro, como o sangue que eu queria que brotasse daquela menina-amante. Miranda foi arrancada de mim, virando fumaça. Eu fiquei dobrado, sem forças para olhar para Odile. Perguntei a ela, sentindo meu sangue irisado circulando nas veias, até quando ela ficaria comigo? Estava preste a afastar-me, já envergonhado pela pergunta, quando Odile olhou-me com pesar, dizendo com voz branda:

- Até amanhã.

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