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sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O Espectro

Ilustração de Chris Appelhans


Meu pai queria morar em uma casa grande, mas como ele não tinha todo o dinheiro para tocar a obra de uma só vez, fez um anexo, que mais tarde seria à garagem e o quarto da empregada. Ali morávamos eu, minha irmã mais nova e meus pais.

Acontece que eu queria um lugar sossegado para estudar e esse lugar era na casa grande, semi-acabada. No andar de cima, havia três quartos, um banheiro e um terraço. Num dos quartos, minha mãe tinha colocado uma penteadeira antiga, dessas com espelho e uma banqueta para que eu pudesse estudar.

Um dia eu estou subindo as escadas, quando escuto risadinhas histéricas, vindo de um dos quarto que ficava bem defronte ao que eu costumava estudar. Apurei meus ouvidos para escutar quem estaria ali na nossa casa. O que eu ouvi, não foi nada agradável. Meus dois primos e mais três colegas estavam planejando um golpe contra mim.

Eu ouvi cada detalhe da traminha que eles estavam arquitetando. Fiquei por uns instantes me corroendo de raiva, mas tive uma idéia e articulei a melhor forma de fazê-la.

Desci correndo para o anexo onde morava e lá, me aprontei, vestindo-me de forma que ficasse com a cara de um espectro. Vesti um paletó velho do meu pai que em mim ficara enorme. Amarrei um trapo preto no pescoço e dei voltas até cobrir parcialmente a cabeça. Tirei tufos de cabelo pelas brechas que o trapo fazia e deixei-os emaranhados. Passei carvão no rosto. Os olhos esbugalhados e o branco que restava deles, mais os dentes arreganhados, arrematou o monstro, fiquei horrível mesmo. Como não dava tempo de pensar nas calças, me enrolei com um pano preto que servia para cobria umas caixas e assim, com pinta de Mandrak que morreu atropelado, corri para o meu quarto de estudos. Silenciosamente fiquei esperando pelo que eles haviam combinado.

Não demorou muito para que eu ouvisse um arrastar de correntes na escada. Fiquei com a cabeça abaixada, até que a porta foi se abrindo devagar e eu vi pelo espelho, um dos meus primos aparecer, vestindo um lençol branco, imitando um fantasma.

Acontece que neste exato momento, eu levanto minha cara negra e sinistra, virando-me lentamente, encarando o fantasminha de forma tétrica... nem precisei falar nada. Ele começou a tremer e de repente, deu um sonoro grito, foi escorregando, escorregando e... ploft! Despencou no chão. A debandada foi geral. Grandes amigos! Nem para socorrer o pobre fantasma serviram.

Eu, mais que depressa, desapareci dali. Retirei num piscar de olhos toda aquela parafernália do meu corpo. Lavei o rosto preto de carvão com o coração na boca.

Voltei para a casa grande como quem não sabe de nada e vi a confusão armada. Minha tia, minha mãe e algumas vizinhas tinham sido acionada. Aquilo estava uma beleza. Os meninos da pesada, estavam sem fala, brancos de dar dó. O coitado do meu primo fantasma, tinha voltado do desmaio e tentava explicar o ocorrido para aquele bando de matracas apavoradas.

Gaguejando e falando baixinho, acho que de medo de voltar a ver o que tinha visto, contava a todos que tinha aberto a porta do quarto para me chamar para brincar. - verdadeiro cara de pau - e viu o mais pavoroso demônio com chifres, uma corcunda enorme, cabelos vermelhos e um olho enorme no meio da testa. E assim ele foi descrevendo um ser diabólico que eu jamais podia imaginar ter feito igual. Fiquei de boca aberta com tanta imaginação.

Levaram o coitado carregado nas costas para que descansasse do susto. À noite quando o meu pai chegou do trabalho e estava à mesa jantando conosco, perguntou a minha mãe:

-Você pode me explicar que coisa foi essa de nossa casa ter sido invadida por uma horda horripilante de capetas?

Fiquei impressionada com o desenrolar de um caso.

Desde aquele dia sinistro pude estudar ali na casa grande sem nenhum problema de, de repente, topar com fantasmas arrastando correntes.

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