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quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O Desaparecimento

Tela de Ciruelo Cabral



Durante muito tempo, naquela vizinhança, um fato estranho aconteceu. Os gatos começaram a desaparecer como por encanto. Depois de mais ou menos um ano, nem mesmo um gatinho magro, para contar a história. E assim, aquelas pessoas que amavam os felinos, começaram a ficar triste e entraram em profunda depressão.

Conceição era uma das que adorava os bichanos. Gostava mais deles do que das pessoas. Ela tinha verdadeira adoração por gatos e só em sua casa tinha quinze deles. Tinha, pois dia após dia, eles foram desaparecendo sem que ela pudesse fazer alguma coisa.

Um dia, quando ela voltava de uma ronda a procura dos gatos, viu uma cena muito estranha. Sentadas, na varandinha de uma casa, três irmãs idênticas, rindo pra valer, enquanto tomavam chá. Pareciam possuídas por um encanto. Seus rostos transbordavam de alegria. Conceição reparou que os dedos de todas elas eram azuis e estavam tão enrugados que mais pareciam maracujá velho. Ela, cumprimentou as senhoras, e perguntou:

- Por acaso, as senhoras não teriam visto uns gatos vagando pelas redondezas?

Quando falou em gatos, as três senhoras, começaram a rir de tal forma, que Conceição ficou desconfiada. Saiu de lá, meio sem graça, mas não se deu por satisfeita. Esperou um momento oportuno para espiar aquela casa. Deu umas voltas no quarteirão, e quando já estava desistindo, viu as três saindo pelo portão, indo na direção de uma confeitaria que ficava ali perto. Por certo iriam se empanturrar de doces.

Aproveitando a oportunidade, subiu a escadinha até a varanda e forçou a porta. Nem precisava ser forçada, pois estava destrancada. Entrou sorrateiramente na sala, com muito medo delas voltarem. Deu uma boa olhada por ali e foi até a cozinha, não encontrou nada e resolveu subir as escadas. Foi logo no primeiro quarto que teve a surpresa. Havia uma estante repleta com potes de vidros, cheios de um líquido azul e em cada um deles, um gato. Saiu de lá pulando os degraus de dois em dois, batendo em seguida a porta de frente. Correu pela calçada em direção a sua casa.

Pegou imediatamente o telefone para ligar para Dolores, uma amiga, que também estava empenhada na captura dos gatos. Quando contou o acorrido a ela, só ouviu um grito:

“Estou indo para a sua casa, me espere.” Depois de pensarem na barbaridade que as irmãs malucas estavam fazendo com os gatos, resolveram ligar para a Sociedade Protetora de Animais para pedir ajuda. Foi Dolores quem ligou. Explicou o motivo de estarem preocupadas e que desconfiavam de três irmãs que moravam numa casa do bairro e que eram muito suspeitas.

A moça que atendia falou:

-Três irmãs?

-Sim, elas são sinistras!

-Mas isso não caracteriza crime.

-Acontece que minha amiga Conceição viu coisas estranhas acontecendo por lá.

-A senhora poderia ser mais clara?

-Tudo bem! Ela viu que os dedos delas são como se vivessem dentro d´água.

-Mas, minha senhora, e onde está escrito que viver dentro d´água é proibido?

-Bem, acontece que a casa está cheia de vidros com gatos dentro!

-O quê? Gatos em vidros? Como foi que ela viu esses gatos?

-Bem! Ela entrou na casa quando as moradoras não estavam.

-Isto caracteriza invasão de propriedade. Aconselhamos que vocês se organizem e contratem um advogado.

-Advogado?

-Naturalmente! Só com um mandado policial é que se pode entrar numa casa para averiguar esses delitos suspeitos.

Dolores contou a conversa que teve com a Sociedade Protetora dos Animais e a Conceição não gostou nada do que ouviu. Disse a amiga que tudo aquilo não estava certo, que deveriam fazer alguma coisa por elas mesmas, mas, sem chamar muita a atenção, pois tinham medo que as irmãs desconfiassem e sumissem com os bichanos.

Combinaram de invadir a mansão no Dia de Finados. Vestiram-se de preto, puseram um enorme véu de tule na cabeça e saíram pelas quebradas fingindo ser duas beatas. Levavam um porrete enrolado nas saias e um apito. Isso era para o caso de algum engraçadinho se meter a besta com elas. Ficaram de tocaia na esquina da mansão, só esperando a hora das irmãs saírem.

Ficaram quase a tarde inteira naquele sufoco, uma encostada na outra. Quando a noite começara a despontar, eis que o portão da casa das três irmãs se abre, fazendo aquele som de portão de cemitério mal assombrado.

Elas deram um pulo de susto. Já não agüentavam mais de tanta dor nas costas. Pegou cada uma o seu porrete e atravessaram a rua em direção ao destino. Pareciam dois urubus. Entraram pelo portão sem fazer o menor barulho. Foram até a porta e forçaram a maçaneta, mais a porta nem se mexeu. Conceição falou para Dolores:

-Desta vez as malucas fecharam a porta.

Dolores respondeu:

-Quem sabe, vão demorar a voltar desta vez. As duas deram a volta pela lateral da casa e viram a portinha do porão com o ferrolho sem o cadeado. Era muita sorte. Não pensaram duas vezes e entraram por ali.

Subiram as escadas e foram diretamente em direção ao quarto da estante maldita. Nem bem entraram no recinto e eis que a clarabóia que ficava no teto se abre, mostrando uma visão dantesca: lá no alto, um enorme pássaro preto com a braguilha aberta mostrando pra quem quisesse ver, uma coisa que mais parecia um sapo. Era um espetáculo estranho, como se quisesse nos dizer que ali tinha um “cabra macho” pra defender os vidros.

Para entender a aparição precipitada do pássaro negro, temos que voltar ao dia anterior, quando Dolores recebeu a ligação de Conceição. Foi logo depois que Conceição voltou da casa das irmãs, com a novidade dos gatos nos vidros. Dolores, para não incomodar o marido ciumento, se fechou na copa com o telefone. Falava aos sussurros, respondendo ao que Conceição lhe perguntava. Acontece que o marido de Dolores estava de orelha grudada na porta, tentando pescar alguma coisa da conversa. Pescou somente a hora e o local do encontro e, morto de ciúmes, quis fazer uma surpresinha aos amantes. Sim, aos amantes, pois pensava ele que Dolores combinava um encontro amoroso na mansão das três irmãs.

Vai daí, que resolveu se vestir fantasiado de "Pássaro Negro". Foi a uma loja de aluguel de fantasias e escolheu aquela “belezura”.

Bem, a visão daquele pássaro fez as duas retrocederem. Foi um susto tão grande que as duas ficaram estateladas, sem fala, completamente em choque. Aquilo foi “de cinema”: A sala às escuras e, de repente, a clarabóia se abrindo fazendo a luz da lua entrar na sala. O vulto do mancebo vingador, vestido com aquela roupa ridícula, deu a entender às duas que já estavam completamente sem fôlego, que se tratava de um enorme pássaro infernal mandado pelas sinistras irmãs.

Conceição que era extremamente "pé no chão", puxou Dolores para fora da sala e desceram as escadas sem olhar para trás. Dolores queria gritar, mas estava completamente muda de pavor. Quando já estavam na rua, falou aos soluços a Conceição.

- Você viu aquilo? Meu Jesuscristinho, era um pássaro ou o capeta?

- Acorda, mulher! Você não viu que era um tarado!

-Não!! Como você sabe?

-Pois eu vi o sujeito querendo mostrar os documentos!

-Mas que documentos mulher?

-Um sapo, ele tinha um sapo nervoso nas mãos.

-Ai meu santinho! Valei-me Nossa Senhora das Virgens.

-E quem é virgem aqui, cabeça de melancia?

Aquela investida na casa das irmãs esquisitas não deu em nada, pois os gatos continuavam desaparecidos.

Bem! Isso foi só até a Conceição resolver, ir sozinha, se esconder durante uma noite inteira na sala das estantes sinistras. Aqueles vidros com líquido azul e os gatos paradinhos lá dentro como se estivessem mortos, incomodavam demais. Ela entrou na casa durante a noitinha que parecia estar vazia. Subiu as escadas no maior silêncio e se escondeu atrás das cortinas de veludo, escuras e pesadas. Percebeu que, se ficasse bem quietinha, ninguém perceberia sua presença. Ficou ali, pensando como faria para ver alguma coisa através do tecido espesso, foi quando viu, que uma parte da cortina estava descosturada. Foi por ali que ela pode ver as irmãs entrando na sala e indo direto aos vidros.

Elas riam de alegria e balançavam as bundas gordas. Conceição pensou que aquilo deveria ser o começo de um ritual. Dançavam chacoalhando todo o corpo numa alegria contagiante.

Até que ouviu uma delas comentar:

- Desta vez ficaremos ricas!

O que as outras concordaram, dando gargalhadas.

Conceição estava gelada, pois não tinha a menor idéia do que aquelas doidivanas estavam aprontando. Foi quando elas vestiram aventais e retiraram um dos gatos do vidro. Puseram o bichano estendido numa mesa e passaram um secador de cabelos em seu corpo, fazendo que os pêlos secassem. Depois pegaram uma maquina de tosar e sem dó nem piedade rasparam todo o gatinho. Fizeram isso com os setenta vidros. Foi nessa hora que se deu conta de quantos gatos havia no bairro e o motivo delas terem os dedos todos enrugados e azuis. Elas não tiravam as mãos do líquido azulado. Era, põe gato, tira gato, a noite inteira.
Essa brincadeira, durou até o dia seguinte. Conceição viu que elas puseram todo aquele pêlo lisinho e sedoso em sacos e etiquetaram tudo dizendo:

-Agora é só chamar o dono da fabrica de pincéis. Com essa quantidade de pêlos, eles farão milhares do mais caro pincel de pêlo de gato.

Conceição pensou com seus botões:

“Então era por isso que os gatos estavam sumindo! Caracas!”

Estava imaginando como ficaria a cara de Dolores quando soubesse de tudo isso que acabara de assistir. Foi quando viu uma cena espantosa. Os gatos foram se levantando um a um da mesa e pulando no chão. Eles desciam as escadas, ou saiam pela janela como se nada tivesse acontecido com eles.

Todos voltaram para a rua, peladinhos. Cada um, direto para suas respectivas casas.

Conceição ligou para Dolores, que já estava preocupada com o sumiço da amiga. Quando ela soube do ocorrido, ficou sem fala. Não pôde estar com a amiga na investigação, pois tinha descoberto que o pássaro negro era o seu marido ciumento querendo pegá-la com um amante que não existia. Ela deu a ele uma noite erótica, com direito a todo tipo de peripécias. Dolores tinha ficado com pena do marido ciumento e resolveu esquecer um pouco a história dos gatos, vai daí que a Conceição foi sozinha à mansão sinistra.

Quando os gatos foram chegando em suas casas, pode-se ouvir por todo o bairro, gritos de espanto e alívio. Conceição teve que explicar o ocorrido, na Sociedade Protetora dos Animais e as irmãs foram intimadas a comparecer na delegacia. Como não conseguiram provas para uma história tão mirabolante, elas foram dispensadas. Conceição que não se conformava com tudo aquilo, foi tirar satisfações na casa delas.

Assim que chegou a casa, foi logo apertando a campainha. Pensou que teria um bate boca com as irmãs, mas não, foi muito bem recebida pelas três.

Diante daquelas senhoras, perguntou:

-Por que vocês colocaram os gatos em vidros com aquele líquido azul?

-Ora querida! Aquele líquido era um amaciante de pêlos e eles não sentiram nada, pois estavam anestesiados e com os narizinhos fora da água. O susto deles, provavelmente, foi só quando se viram pelados. Falaram isso e caíam numa gargalhada de chacoalhar as panças.

Disseram à Conceição:

-Não se preocupe, querida, pois os pêlos crescerão novamente.

Conceição saiu de lá sem saber o que pensar. Falava com os seus botões:

“Dá para acreditar numa história dessas?”

Fim

6 Comentários:

  • Minha DoceRachel,
    Só você me faz entrar na madrugada e rindo sózinho se m fazer barulho.
    Essa foi uma mistura de mistério, humor,investigação e terror.
    Como eu já disse e vou continuar dizendo.
    Você consegue prender o leitor.
    Você é um potencial raro, Jô Soares,gostaria te conhecer.
    Beijos minha linda.
    Deus te abençõe.

    Ana Maria

    Por Blogger Ana Maria, às 24 de janeiro de 2008 às 21:05  

  • SimpleSmente ADOREI!Emoção do princípio ao fim!

    Por Blogger "Scacição", às 25 de janeiro de 2008 às 02:29  

  • Simplesmente lindo!
    Você se superando doce amiga!
    Amo seus contos suspense!
    Podes escrever uma bela novela policial, a atençao ficará presa ao livro, nada farei até terminar a leitura.
    Feliz de mim pois é minha amiga!

    Parabéns doce amiga!

    Por Blogger Marta Peres, às 25 de janeiro de 2008 às 06:38  

  • Minha doce e querida amiga Rachel!

    Sinceramente,de uma brincadeira nasceu um conto..eu acreditava em tudo,mas nunca no desfecho que Rachel deu..muito interessante e não duvido que haja muitos malucos por aí,fazendo, o que, seu conto nos revela.
    Até que ponto,podem chegar algumas cabeças.
    Uma ficção,com muito de realidade.
    Parabéns querida amiga.. bom, grande privilégio ter sua amizade e poder desfrutar de todas as coisas que saem de suas mãos e cabeça de fada.
    Ficou fantástico!
    Beijos minha querida, Deus te proteja sempre!

    Dolores Jardim

    Por Blogger Dolores Jardim, às 25 de janeiro de 2008 às 10:32  

  • Querida Rachel...
    Estou aprendendo a ler você...
    Vim atrás dessa linda luz...
    e fiquei viciada...
    Estou gostando muito desse jeito que tens pra contar...
    Maravilhoso!
    Ficou incrível...
    "o Desaparecimento"...
    Que parecia uma brincadeira de frases ...destes um toque e um
    "QUE" de Rachel...em toda a estória.

    Um abraço com meu carinho .
    Leninha.Solzinho

    Por Blogger A CASA DOURADA/Leninha Sol, às 26 de janeiro de 2008 às 03:01  

  • Gostando eu como gosto de gatos... sei bem onde punha essas três malucas...rs...
    Palavras para quê? Lê-se com prazer do princípio ao fim!!! E coitado do marido ciumento da personagem Dolores... ahahahah... um passarão ciumento? Parabéns pela imaginação fértil e sobretudo pela boa disposição que provocas a quem te lê!!!

    Por Blogger Manuel Marques, às 27 de janeiro de 2008 às 15:21  

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