A Chuva
Saiu até o jardim para tentar respirar melhor e viu quando uma sombra diagonal se afastava apressadamente do portão. Sentiu a pressão atmosférica entrar dentro de sua cabeça. O peito arfava tentando achar o ritmo adequado para que aquela dor cessasse. Pegou na caixa do correio um envelope, provavelmente deixado pela sombra apressada. Era uma carta anônima. O seu nome estava escrito em letras de forma.
Uma sensação de fraqueza se apoderou de seu corpo. A sombra foi diluindo, até não ser mais nada. Retorcia a fita que prendia os cabelos. Aprisionada estava em fios longos e tensos que esticavam seu pensamento para o envelope. Um pânico visceral fez com que jogasse a carta no chão, ela queimava. Ficou ali sentada, quieta. As horas foram marcando um tempo demasiado longo e a temperatura ficava rarefeita. O calor entrara em sua cabeça definitivamente.
O sol brilhava o seu último reflexo no chão da sala. Seus membros se contraíram quando olhou para o envelope que girava ao seu redor e sua paz. Se tivesse uma arma, atiraria nele que sangraria até desaparecer. O sol sumiu deixando a sala escura e os sentidos paralisados. Tinha se metamorfoseado numa obcecada criatura vingadora. Cravara as unhas na carne das coxas e sentiu com a dor, que todas as coisas se tornavam visíveis novamente. Levantou-se do arrebatamento que se encontrava e apanhou a carta do chão.
E diante da eminente destruição de si mesma, afundou-se no desejo de saber o que continha aquele pedaço de angustia. Saiu para o jardim buscando o ar que já não havia mais e rasgou o envelope. Abriu a carta. O ar estava tenso, elétrico. E no momento em que foi se prendendo na obscuridade das letras que dançavam na folha, tentando ler as palavras ali gravadas, tudo ao seu redor foi se decompondo. Um raio rasgou o céu que se abriu num grito de trovão e sobre ela e a folha branca, uma chuva grossa e fria caiu como benção, apagando as letras e lavando a alma.
Aquela chuva desmanchara o medo, levara o peso da insegurança. O ar voltara fresco novamente. O portão se abriu e ele entrou de braços abertos para ela. O jardim foi invadido pelo perfume das flores molhadas. A carta não dizia mais nada. E ela estava sendo invadida por um bálsamo e ali mesmo sob a chuva, ficou abraçada ao seu amor.
FIM
1 Comentários:
Ela lavou a alma na chuva mesmo hein!;)
beijo!
Por Grazzi Yatña, às 6 de dezembro de 2007 às 21:13
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