.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A Flor da Paixão

Tela de Zascianek


Um vento carregado de areia varria o Gólgota. Jesus estava exausto e febril, mas pensava na suavidade da brisa acariciando os campos de trigo. Ali naquele horto, o chão estava salpicado de crânios que faziam-no lembrar dos melões que costumava colher quando criança no quintal de seu amigo Thiago.

A terra, agora, estava vermelha, tão diferente dos dias de geada, quando ajudava sua mãe no campo, salvando a colheita.

Havia pilhas de folhas secas por toda parte, que voavam enfurecendo os soldados. Eles escarneciam de seu corpo frágil, rasgando-se sob a cruz tinta de sangue.

O Gólgota era um lugar sinistro e sombrio. Lugar de sofrimento e dor. Ali, tudo era seco e árido. Foi com surpresa que Jesus viu nascer uma trepadeira cheia de flores brancas que, aos poucos, foi envolvendo o madeiro do Calvário. Ele já tinha visto tantos mistérios manifestando-se em sua vida, que aceitou aquele, como uma benção do renascimento que estava por vir.

Olhava o horizonte e pensava na insensatez dos homens, enganando-se nessa fúria de poder, que devastava tudo. Viviam de uma maneira tão precipitada e imediatista, num ranger de dentes e com um ódio que cegava tudo.

Meditando àquela hora derradeira, imaginou, nos compartimentos de seu coração, como seriam os homens, quando passassem a respeitar as tábuas sagradas de Moisés. Um dia entenderiam a importância daquelas palavras escritas com o fogo do amor. Pode ver seu sacrifício inumano penetrar, sutilmente, pelas passagens intrincadas e estreitas dos corações dos homens. Seria essa forma de amor extremo que estava impregnando o ar e o cosmo, que traria a grande transformação crística. Nem mesmo as tábuas de Moisés teriam tanto poder quanto esse acontecimento envolto em terror e mistério.

A tristeza daquele momento vinha do pranto das mulheres que, com suas lágrimas, traziam rios de amargura.
Os centuriões olhavam Cristo com desdém, não entendendo as suaves palavras que saiam de sua boca ensangüentada, pedindo ao Pai que os perdoassem. Riam e, num gesto de falsa misericórdia, lhe ofereciam uma esponja embebida em vinagre à sua boca sedenta.

Um menino cego que ficara esquecido por ali, ouvindo Jesus espirrar por causa do gosto intragável da bebida, levanta sua bengala envergada feita de um galho de oliveira e tenta afastar os soldados, batendo aleatoriamente sua bengalinha no ar. Nesse instante, o sangue de Cristo, respinga na flor branca e nos olhos do menino.

Uma treva intensa fez-se por todo o Gólgota, quando Cristo expirou seu último suspiro. Aquele breu cegou todos os que assistiam o Calvário. Somente o menino cego pôde ver o nascimento de dois milagres: à volta de sua visão e a flor-da-paixão que brotara aos pés de Cristo.


(Flor da Paixão é o nome místico da Flor de Maracujá – Passiflora alata)

FIM

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home