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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A Kombi do Gato

Tela de James Louis Steg

Nossa! Que sono! Outro daqueles dias. E esse tá com jeito de chuva. E com chuva eu não vendo nada. Vou ter que acordar a Latóya, se não ela vai perder aula de novo. Os peitinhos dela estão que nem ovo “estalado”. Já vi o “zoião” do pai pra cima dela. A mãe ainda não se ligou, mas quando ela sacar, qual é a do “velho”, vai ter chumbo grosso no barraco. – Acorda aí, minhoca defumada! Tem escola, caramba, não posso ficar aqui o dia inteiro pajeando a madame, portanto, fui. Tenho que correr, se não aqueles caras da boca de fumo invadem o meu canteiro e eu tenho que faturar hoje, pelo menos “déis real”. Nossa! Meu tênis tá furado, tô precisando de outro pra ontem. Olha só o belezinha aí na frente, todo arrumadinho, mochila preta, casaco de couro, porra, como eu queria ter um casaco de couro preto, e o tênis do cara, mó legal... tem amortecedor, do jeito que eu queria e é de marca. Quando eu fizer dezesseis, o “seo” Carlão vai me deixar “trampar” na padaria, diz ele que vou aprender a profissão, quero só ver a cara da mãe quando isso acontecer, ela morre de medo que eu me bandeie pra turma do “fumo”. Eu já disse pra ela ficar fria, mas ela nem quer saber, diz que me mata se eu morrer drogado, há!há!há!, essa é boa, aí eu já ia tá morto mesmo. Eu gosto quando dá pra pegar rabeira em caminhão, só assim eu chego cedo. Lá vem o “seo” Bigode com a água. Põe aí no chão... ali perto do semáforo. Assim eu posso vender pra quem atravessa e pra quem estiver nos carros, esperando o sinal abrir. Tudo bem, até as seis, é isso, dezoito horas. Até parece que ele não entendeu, só pra me deixar nervoso, ô cara besta. Ainda vou ter grana pra comprar água direto do depósito, aí não vou precisar dar a parte do leão pra esse “bosta”. Vou comprar uma Kombi e vou encher ela de água e sair por aí vendendo água pra deus e o diabo. Vou arrumar uma porção de pivetes lá da favela e vou ser o rei da cascata, há!há!há! Quero ver a cara que o pai vai fazer quando eu chegar em casa com a Kombi cheia de compras do super mercado, ele vai azedar isso é que ele vai. Ele não admite que ninguém naquela casa seja melhor que ele. Aquele “bebum” desgraçado, só sabe olhar as tetas da Latóya e bater na mãe. Eu já fiz as contas, de quanto vou precisar de grana, para comprar essa maldita Kombi. Pelo menos uns cinco sacos de cem. Vou ter que amargar na mão do Bigode uns cem anos, isso sim. Ops! O farol fechou. Olha a água geladinha da fonte! Não beba água pra ver como sua pele vai estar no fim do dia! – Essa de “pele” sempre comove as dondocas. Olha ali aquele velho besta levantando o vidro, o que é que ele tá pensando? Que eu vou sacar um copo d´água e atirar nele? Cada uma! É água, vovô, água de beber! Deve ter se borrado todo o lelé da cuca. E aquela gostosa ali me chamando, dá licença, dá licença. – Quantos copinhos? Só um? O que que é isso, pra senhora se eu pudesse dava tudo de graça. Até amanhã minha deusa. – Nossa! Ela tinha um cachorrinho no banco de trás. Era um assim que a Latóya queria. Também, essa menina só pensa em cachorro de rico, até o nome deles é encrenca: “púdol”, pudim, sei lá. Vai ter que se conformar mesmo é com o Filomeno vira-lata do caralho. – Hei, meu chapa, pode ir se afastando do pedaço, pois aqui é a zona do Bigode e ele não brinca em serviço, tem até máquina de filmar, espalhada por aí, só na vigia. Cada uma! Todo dia tem espertinho querendo o meu farol. Comigo não, cachorrão! Nossa! Que fome, meu! Vou ter que apelar pra uma balinha de hortelã. Não posso sair daqui, essa é a melhor hora do dia pra vender água. Ali vem aquela dona de preto, parece um urubu. Já vi essa dona na televisão, acho que foi no telesexo. Ela mostrava como usar camisinha enfiando uma, numa banana, há!há!há! Cara, foi de matar. Essa dona não enfia uma banana pelo menos há uns mil anos. Nem vou oferecer água, gente assim não bebe água, deve beber formol no gargalo. Caracas! Essa eu não posso perder, é a loirinha que me deu a maior bola outro dia. Pelo amor de Deus, que sorriso! Isso não é pra qualquer um, não. Vai abrir o vidro. – Pois não, princesa! Uma água? Nossa eu tô tremendo. Se eu quero bolo de seu aniversário? Eu, eu...Você é quem sabe. Deve estar uma delícia. Comi um desses uma vez, na casa do Dennys do pó, mas a mãe não quer que eu me misture com aquela gente. Diz que esse pessoal do Dennys morre cedo. Ou viciado ou matado. Se eu fosse rico, ia querer uma “mina” assim, linda e loira. Quem foi que disse, que toda loira é burra? Não conhece essa “tesudinha”. Caiu do céu esse bolo. Nossa! Eu já “tava” enxergando estrelinha. Ainda faltam quatro horas pra acabar o meu turno, a água tá quase no fim e nada do Bigode aparecer pra reforçar o estoque. Assim não dá, esse cara não sabe trabalhar. Quando eu tiver minha Kombi, vou saber organizar melhor essa parada de estoque. Ele dorme de touca. Aquela dona tá me chamando. – O quê? Meu nome? Eu é que não vou dar meu nome pra qualquer um no farol. Vai que é a “fisca”, aí eu tô fudido. Ela tá dizendo que é assistente social. E eu vou acreditar numa lorota dessas. Tudo bem, cartão seu posso pegar. Parece que é verdade, pelo nome que estou vendo aqui. Tudo bem! - Meu nome é Maicon, Gato para os íntimos. O que foi? Minha família? O que tem a minha família? Tenho uma irmã a Latóya, que está com doze anos, e eu vou fazer dezesseis o ano que vem. Não, não vou à escola. Parei na quinta. A Latóya já tá na sexta, ela vai continuar porque a mãe quer. Eu tive que parar, pra ajudar em casa. O pai, esse é um... ele é doente. A mãe é faxineira, diarista, sabe como é? Ela é de confiança, se a senhora precisar de uma diarista, pode vir falar comigo que eu levo a mãe no seu endereço. Seu cartão, pode deixar que eu guardo. Adoro colecionar cartões. O sinal abriu...Não vai querer água? Nossa! Não tenho mais água. E o Bigode que não vem. Desgraçado, justo agora que “aqueles bichas loucas” estão chegando. A farra do carnaval deve ter sido muito boa mesmo, olha o estado das meninas. Caramba! Todo mundo quer água e eu a seco. Filho da puta do Bigode quero que ele morra queimado sem uma gota de água pra apagar o fogo. Justo agora que esses viados iam me dar caixinha. Pobre é uma merda mesmo. Tudo bem vou ter que recolher mesmo. Se eu correr, ainda pego a rabeira daquele ônibus. O desgraçado me viu e vai começar a correr. Tá dançando de propósito, só pra eu me estabacar no asfalto. Ainda bem que a caixa está vazia. Aquele infeliz vestido de Capeta, vai me jogar alguma merda. Detesto o carnaval, sempre tem um idiota querendo aprontar com a gente. É só perceber que você não foi pra farra que eles aprontam. Aí, seu viado! Vai jogar essa merda na sua mãe! Não vejo a hora de estar dirigindo a minha Kombi. Agora esse merdinha de motorista não vai parar, só porque sabe que eu tenho que descer aqui. Morfético do caralho. Quero que o seu pau caia, seu bundão. Quase perco o tênis. Só me faltava essa, agora. Tô morto de cansaço. Há essa hora o pai tá lá, só de butuca na mana. Que gentarada é essa lá em casa? Que será que aconteceu? Tem até camburão. Tá parecendo aquele filme piratinha que eu assisti no Rogério. Como é mesmo que se chamava? Ah! Era o “Tropa de Elite”, grande filme, camarada! O que é que tá pegando aqui? O que aconteceu com o pai? A mãe o quê? Matou o pai com trinta facadas? Por quê? Tava comendo a Latóya. Ela foi pro hospital? E a mãe? No camburão? Desgraçado!

7 Comentários:

  • MUITO BOM!!

    Acho um piadão a esta forma de falar!

    Por Blogger "Scacição", às 6 de fevereiro de 2008 às 10:23  

  • Raquel! Suave, envolvente! Gosto demais de seu estilo! Principalmente de sua poesia! E a coragem de deixar o meio da publicidade, apaixonante e estressante, para ser "apenas" uma envolvente escritora.
    Se os seus confeitos forem tão deliciosos como seus textos, valha-me Deus! Os glutões como eu agradecem de joelhos pelo Todo Poderoso ter criado você!
    Parabéns!O Rebate e teu Blog estão entre meus Favoritos!!!
    Bjos Sergio Trouillet

    Por Anonymous Anônimo, às 6 de fevereiro de 2008 às 10:54  

  • Minha Doce RAchel...
    Esse parece mais um Fank echeado de a humor e inteligência.
    Adorei amiga...
    Prabéns,
    O Jô não te conhece!kkk
    Beijos.

    Por Blogger Ana Maria, às 6 de fevereiro de 2008 às 11:40  

  • Eis aqui uma mulher que sabe encantar com seus dons natos..
    Uma escritora de "mão cheia'e uma artesã de doces, incomparável!
    Rachel,já passou da hora de vc, "explodir"para o mundo..quatro paredes ficou um espaço muito restrito para o teu potencial!

    Parabéns,doce amiga!

    Por Blogger Lua-Bianca, às 6 de fevereiro de 2008 às 11:52  

  • Como falei na PP, tá estupendo.

    Sempre pode surgir alguma surpresa de última hora, mas acho que vc "já ganhou" rsrsrsr

    beijo grande.

    Por Blogger Rogério Camargo, às 6 de fevereiro de 2008 às 12:58  

  • ahh adorei esse especialmente, Quel!
    O jeito de misturar a fala ingênua e dura ao mesmo tempo da personagem para no final a gente dar de cara com a "ficção" esfregada nas tintas da realidade!

    Beijos!

    Por Blogger Grazzi Yatña, às 6 de fevereiro de 2008 às 21:16  

  • ...como ja disse antes...
    você é original...
    penso que deves ser assim no todo.
    Parabéns por tuas obras...
    Sempre haverá um prêmio para o que escreveso, OU para um simples comentário...
    HAVERÁ UM PRÊMIO PARA VOCÊ...SEMPRE.

    Um abraço grande carinhoso.
    Leninha.

    Por Blogger A CASA DOURADA/Leninha Sol, às 19 de fevereiro de 2008 às 10:04  

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