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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Sinal

Tela de Edward Burnes-Jones


Agora, quieta em meu quarto, sentia que meu sonho havia perdido seu objetivo. Aqueles braços que haviam me segurado por longos anos não eram mais um abrigo seguro. Em algum lugar ficou perdido nosso amor e eu não conseguia mais achá-lo. O universo de minha vida, como costumava dizer aos quatro ventos, não passava agora de uma remota aldeia, tão frágil quanto tudo que me aconteceu naquele dia de escuridão. Pude ver o estopo esfiapado saindo de sua pele aparentemente lisa e jovem. Dela saia uma fraqueza palpável que se substanciava perante as menores decisões. Foi essa fraqueza que eu vi sair de sua boca, de seus olhos, naquele dia morno como nosso relacionamento. Eu não confiava mais naquela estepe em que ele se tornara. Tudo nele era vazio, as carícias, as palavras. Talvez eu nunca mais me recobrasse daquela substância amorfa que saia de suas mãos.


Apesar de sentir o vazio de nossa existência, ainda assim achava que poderia ter alguma esperança. Quando eu pedi para que repensássemos nossa relação ele ficou sem fala. Parado no meio da sala parecia olhar para o ‘nada’ que era nossa vida em comum. Seu olhar vagava para algum ponto de sujeira no tapete. Então, retirei com dificuldade nosso anel de compromisso, já acostumado ao meu dedo anular. Um dedo cheio de esperança e que representava aquele “universo”. Foi à custa de muita força de vontade que consegui enxergar aquele homem como ele era.


Todos os nossos dias passaram por mim a uma velocidade alucinante. Então, de repente, com o coração batendo descompassadamente senti o retorno da vida em meu corpo. Ocorreu-me que, antes de começarmos aquela conversa, a espessa camada de silêncio que nos encobria estava me distanciando da vida e vi o quanto tinha de mim escondido sob aquela camada. Afinal estava enxergando minha parcela de culpa naquilo tudo.


Olhando aquele homem, ali parado no meio da sala eu via o silêncio deslizar pela pele de seu rosto atravessar o espaço e cair aos meus pés. Ele já não tinha a mesma aparência alegre de antes. Parecia uma dessas pessoas apavorada que acabara de saber que tomara um copo de veneno. E esse mesmo medo eu também estava sentindo.


Aquela miserável manhã iria, quem sabe, me atormentar pelo resto da vida. Estávamos dançando um balé silencioso, onde as palavras e os gestos não mais importavam e vi, numa fração de segundos, passarem horas, dias, anos de incertezas. Eu caminhava na obscuridade, presa por esse compromisso que acabara de romper-se.


Tinha acabado. Nada mais restara de nós dois. Fui até o portão e vi quando ele atravessava a rua com um ar de satisfação, como se tivesse tirado um enorme peso das costas. Mas, quando se virava para dar o último adeus, foi violentamente atingido por um carro que passava em alta velocidade. Seu corpo esmagado ficou estendido no asfalto e tremia num espasmo de morte. Dele sobrou apenas aquele sorriso desconcertante e de mim, não sei porque, esse ar de satisfação interna.


Depois de ter se passado quase dois anos daquela manhã que me deixou no desvão das trevas pela paixão rompida – vejo que ainda tenho gravado como uma tatuagem no dedo anular, um sinal, que o anel de compromisso deixou como lembrança funesta.



3 Comentários:

  • Simplesmente delicioso!
    Poderia chamar: Os Mistérios de Rachel!
    Já he disse que é nossa Ágata Christhie?
    Então, apaixono-me por todos seus textos.
    E a história do taxista?
    Não tem continuação?
    Parabéns amiga!
    Lindo!

    Por Blogger Marta Peres, às 13 de novembro de 2008 às 17:06  

  • Vc sabe que eu já fui chamada de A GATA TRISTE, uma alusão da famosa Ágata Christhie. Eu dou risada.
    A história da perna vai continuar, mas em janeiro, quando me sobrar tempo. Obrigada sempre.

    abraço

    Por Blogger O que Cintila em Mim, às 14 de novembro de 2008 às 15:21  

  • O mal de tantos e tantos casamentos é tornarem-se um costume, como o anel que custa a sair.

    Seja simbólico ou não às vezes sabe bem que quem não luta por nós possa ser assim 'esmagado' para que possamos voltar a ser felizes!

    Beijos e abraços de parabéns pela tradicional inspiração que ao ser expirada se torna em conto fora de série ( e essa tua resposta... genial, também é por isso que te admiro...rs )

    Por Blogger manuel marques, às 17 de novembro de 2008 às 05:18  

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