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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Flecha da Noite

 
Ilustração de Michael Whelan


Fui retirada de meus aposentos
Quando a lua estava em esplendor de fogo.
Lua imensa, pronta para os rituais sagrados.

Banharam-me com leite
E escreveram rezas sob minha pele.
Solenes poemas de signos encantados
Para transformar as marés.

Queimaram minerais e incensos
Para os deuses adormecidos
E eles acordaram.

Vestiram-me de folhas
E amordaçaram minha boca.
Vi olhos de tenazes, fosforescentes,
Envoltos em trovões.

Uma visão atormentada de braços abertos,
Para receber um corpo incandescente.

Fechei os olhos para ouvir
O canto ondulante e embriagador da cerimônia.
Cada nota saltava contagiosa
Sob o pentagrama dos meus dedos.

Todas as coisas foram se distanciando,
Os clamores, o medo,
Até que me aquietei para receber
A flecha da noite.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Caverna do Homem



Tela de Odd Nerdrun

Oh homem das cavernas,
Desbravador de sonhos
Paleontológicos irracionais, ilógicos.
Coração de pedra, esculpido
Na ponta de sua lança
Que avança, cega,
Tenebrosamente dentro da noite
Entre minhas coxas,
Que tremem em delírios.

Minha carne primitiva se ativa,
Nesta Era sem eira, ressuscitada,
Sagrada e idolatrada.
Entre as profundezas
Do meu elo perdido.

Homem primitivo,
Afoito na moita dos pêlos pubianos.
Enrolado em sua vara escaldante, pulsante.
Gritos corridos dos meus ossos sagrados,
Espasmos da garganta seca.

Rugi um mamífero
Ao sinal visceral
Do esperma jorrando
Na caverna abissal
Do homem neandertal.

Cromossomos como somos
Carregados de fúria
E desejos inumanos
Arrastados do começo de tudo,
Até o fim do que somos,
Eterno homem das cavernas,
Senhor arquétipo dos meus sonhos.