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domingo, 9 de outubro de 2011

Rádio Triângulo dos Mineiros


 Tela de Guido Vedovado



Prezados ouvintes, aqui estamos mais uma vez com o programa preferido das suas tardes, “Pedacinhos do Céu”, sempre às 16 horas em ponto.

Está no ar nossa ouvinte convidada, dona Arlete, da cidade de Camanducaia.

- Alô dona Arlete! Como vai a senhora?
- Agora estou bem, sim senhor.
- Conte-nos sua história, por favor. Os nossos ouvintes estão ansiosos para ouví-la.

(Abaixa o som)

- Pois é, tudo aconteceu num sábado, dia em que tenho folga lá do colégio onde trabalho. Sou professora, graças a Deus, sim senhor. Pois bem, eu e minha mana Arlinda, e o seu afilhado, o Alex, fomos ao Parque Nacional de Monte Verde, aquele que fica na reserva florestal. Chegamos por volta das 14 horas, não tinha muita gente entrando naquele momento. Pagamos a entrada, e a Arlinda achou um absurdo cobrarem vinte reais só pra ver mato e passarinho, mas acabou pagando. No caminho, que era uma trilha de cascalho e um bambuzal de cada lado, vimos um armazém, desses que vendem de tudo um pouco, até sela para cavalo tinha. A Arlinda falou que queria comprar umas coisinhas pra comer e beber antes da gente seguir para o nosso passeio. Eu fiquei tirando fotos do local, enquanto ela e o Alex foram às compras.

Quando dei por mim, já tinha se passado mais de quarenta minutos, e eles não tinham voltado. Guardei a máquina fotográfica e fui atrás deles. Entrei no armazém, e não vi ninguém. Chamei pelo dono batendo palmas. Apareceu um senhor de barbas brancas e macacão jeans, todo surrado, limpando o bigode sujo de açúcar mascavo. Perguntei-lhe se uma moça parecida comigo e um menino de uns seis anos, bem queimadinho, tinha vindo comprar petiscos. Ele confirmou, mas disse que já tinham ido embora há uma meia hora. Levei um susto e disse com cara de espanto: “Meia hora?” E ele disse me olhando já preocupado: “Não marquei o tempo”. Insisti perguntando: “Será que estão no toalete?”, e ele disse que não, pois não tinha dado a chave, pois que o banheiro ficava sempre trancado. Saí de lá, mas fiquei parada na frente do estabelecimento, olhando pra tudo que era lado, pra ver se os via em algum lugar. Minha irmã sempre teve essa mania besta de se esconder, e deixar a gente procurando por ela. Não sabia pra que lado ir, e pensava: Onde a esperta da Arlinda tinha se metido? Nisso, se passaram mais uns vinte minutos. Voltei ao armazém, o que assustou o senhor, que já estava sem jeito com tantas perguntas. Perguntei se ele tinha atendido mais alguém além da minha irmã, e ele disse que não, que naquele horário não vinha quase ninguém, porque era o horário do almoço. Saí novamente, mas antes de colocar o pé na calçada, ele me chamou, dizendo: “Acabo de me lembrar que o único que esteve aqui, na mesma hora, foi o Chicão, o rapaz que vem buscar restos de comida para dar aos porcos. Ele tem um chiqueiro enorme perto do rio”.
Apontou com o dedo a direção do rio e entrou. Tive um mau pressentimento quando olhei para o dedo dele, apontando o chiqueiro no ar. Ele entrou, e eu fui à direção apontada por ele. Nem sei porque fiz isso, mas alguma coisa me empurrava para lá. Andei uns quinhentos metros por uma estradinha de terra batida, quando avistei, ao longe, uma casa de madeira e um enorme galpão, que deveria ser o tal chiqueiro.

Não fiz nenhum barulho para chegar perto da casa. Dei a volta, sorrateiramente, e espiei pela janela da frente. Vi um homem reclinado num sofá imundo. Estava com um boné sobre os olhos, descansando. Com muito cuidado, dei a volta e fui até o galpão, rodeando pelos fundos, para que ele não percebesse nenhum barulho e nem pudesse me ver. Tinha uma pequena janela. Abri a veneziana com cuidado e pulei pra dentro do galpão. O cheiro era insuportável. Tinha lixo por todos os lados, muitas caixas com restos de comida, que cheiravam azedo. Atrás de uma pilha de caixotes, encontrei o chiqueiro. Várias fileiras de engradados, cada uma com uns vinte porcos. Todos grunhindo a espera de comida. De repente, entrou uma pessoa carregando um enorme balde com restos de comida. Vocês não podem imaginar o que eu vi. (começa a chorar e a locução é interrompida).

- Caros ouvintes, como podem perceber, o momento é de grande emoção, por isso faremos uma pausa e pedimos os comerciais, enquanto nossa ouvinte convidada possa se recompor.

Nossos patrocinadores, o Chocolate Monte Verde, que amadurece na boca, e a Malharia Gato Malhado, a mais quente moda em tricô do mercado, agradecem a preferência.


- Caríssimos ouvintes da Rádio Triângulo dos Mineiros, estamos de volta com mais uma história emocionante, desta vez, com dona Arlete e sua irmã Arlinda.

(música abaixando)

- Música para ela sonoplastia!
(música de fundo) http://www.youtube.com/watch?v=G6dLjcSSAjY&NR=1

- Então, dona Arlete, o que foi que a senhora viu chegando no chiqueiro que a deixou tão transtornada?
- Vi a minha irmã, Arlinda. Estava só de calcinha, e mais nada.
- Minha nossa, dona Arlete! E aí?
- Aí que, além de estar só de calcinha, estava com uma corrente prendendo os tornozelos. Ela andava com muita dificuldade. Quando me viu, arregalou os olhos e fez um sinal para que eu ficasse em silêncio. Estava com um enorme balde nas mãos, cheio de restos de comida que levava para os porcos. Ela me chamou num canto e disse rapidamente, entre sussurros, que o homem era completamente doido. Quando ela saiu do armazém com as compras, ele a abordou dizendo que estava com a esposa no caminhão e precisava de uma ajudinha pra tirá-la da cadeira de rodas. Ela foi sem pensar duas vezes. Quando chegou perto da porta do caminhão, ele pôs um lenço com alguma coisa estranha, que a fez ficar tonta. Acordou na casa dele, já sem roupa, e viu a Alex deitado num canto, com as mãos amarradas, e os olhos e a boca vendados. Ele disse que ela ia ser bem boazinha com ele, senão ele jogaria o menino aos porcos. Ela ia ajudá-lo a alimentar os porcos até a mulher dele ficar boa, mas ela achava que não existia mulher nenhuma, que o cara era completamente pirado. Eu fiquei perplexa, e olhava para todos os lados, procurando um jeito de tirá-la dali. Ela disse, quase chorando: “Não saio daqui sem o Alex!”. Acalmei-a e disse que iria até o armazém pedir socorro.


Pulei a janela de volta e fui me esgueirando por trás da casa. Quando cheguei à estradinha, corri, corri como uma alucinada. Entrei no armazém, já derrubando uma pilha de latas de sardinhas. O velho saiu de trás do balcão com uma espingarda apontada para mim, dizendo: “Eu sabia que a senhora era encrenca! O que foi agora? Tem incêndio na floresta?”. Eu estava sem fôlego de tanto que tinha corrido. Queria falar, mas não conseguia, aí ele abaixou a espingarda e me deu um copo com água. Eu pedi desculpas pela bagunça, e disse que precisava chamar a policia imediatamente. Ele me olhou assustado e correu para o telefone. Nem perguntou porque, e chamou a Guarda Florestal, porque estavam mais perto. Enquanto os guardas não chegavam, eu contei rapidamente sobre o Chicão, e o que ele tinha feito. Ele deu um tapa na cabeça e disse: “Eu sabia que esse cara um dia endoidava de vez. O pai dele era um carrasco e bateu nele desde quando ele era um molequinho. A mãe morreu de parto, e ele cresceu sozinho com o doido do pai. Depois que o pai morreu, ele se casou, mas não deu certo. A mulher, um dia, passou por aqui correndo. Estava só de calcinhas, a coitada. Minha mulher deu a ela um vestido velho e um chinelo. Ela chamou um táxi e se mandou, nunca mais apareceu. Vai saber o que acontecia por lá, não é? Eu respondi: “Agora sabemos”.

Não deu dez minutos e os guardas chegaram. Eram três, e foram logo perguntando: O que foi amigo? O que houve? O vendeiro foi dizendo tudo o que eu tinha contado, mesmo porque eu tremia tanto, que nem conseguia falar direito. Percebendo a gravidade da situação, pediram ao velho que chamasse a policia da cidade e uma ambulância. Enquanto isso, eles iriam dar uma batida no local da ocorrência. O velho disse: “Tenho uma ideia melhor para não despertar desconfiança do Chicão. Ele é muito esperto, e pode perceber que vocês estão lá por causa da moça e do menino, e fazer alguma besteira. Eu vou junto com a desculpa de levar mais comida aos porcos, e ele, que eu saiba, confia em mim, e nem vai se dar conta da armadilha. Minha velha pode muito bem chamar a policia e a ambulância”. E saiu para providenciar a comida e falar com a mulher, que ficava lá dentro, nos fundos do armazém.

Na verdade, ele não tinha restos de comida, e sim a comida da geladeira que iria jantar com a mulher, mas deu o seu jeito. Encheu um latão com jornais, quase até a boca, em seguida, a comida. Disse: “Perfeito!”, e entrou na viatura dos guardas, que era uma Rural camuflada. “Vamos, vamos, antes que aquele esmorfético acabe por fazer uma besteira maior ainda”. Quando chegamos, ficamos escondidos no meio do mato, enquanto o velho batia na porta da frente da casa, carregando o latão de comida. Ele fingia que estava muito pesado quando o colocou no chão para bater palmas. O Chicão apareceu à porta ainda assonado, esfregando os olhos e ajeitando o boné, e perguntou o que estava acontecendo. O velho, mais que depressa, disse que não era nada, apenas tinha se esquecido de mais um latão de comida, e como era sábado e só abriria na segunda, aquilo tudo ia azedar. e dava dó. Só isso mesmo! O Chicão olhou o velho, coçou o queixo e abaixou pra pegar o latão. Nessa hora, ele foi dominado pelos guardas. Ficou se debatendo que nem um doido. Dizia que era um homem honesto, que nunca havia feito mal a ninguém, e choramingava para que o soltassem.

Eu, enquanto acontecia à prisão do Chico, corri, e entrei na sala da casa e achei o Alex todo encolhidinho. Desamarrei o coitadinho e tirei o pano da boca e olhos. As roupas de minha irmã estavam jogadas num canto. Juntei tudo e corremos, eu e o menino, para o chiqueiro. Um dos guardas nos seguiu e não acreditou quando viu minha irmã naquele estado. Ele quebrou a corrente e eu vesti a Arlinda, que estava em estado de choque. Saímos de lá para a nossa casa, abraçadas ao Alex. Depois, eu soube que a mulher dele tinha fugido, porque ele queria fazer com ela exatamente o que tinha feito com a Arlinda. Os porcos ficaram para o velho vender no armazém, e o Chicão, vai amargar uma boa temporada na cadeia. Essa é a minha história.

Caros ouvintes da Rádio Triângulo dos Mineiros, acabamos de ouvir nossa ouvinte convidada, dona Arlete, com seu fantástico relato. Amanhã, não percam mais uma história da vida real. Um homem que se casou, sem saber, com a própria filha.


- Até o próximo encontro, caríssimos ouvintes da Rádio Triângulo dos Mineiros. Quem vos fala, todas às tardes, é esse mineiro já cheio de saudades, Salomão do Reisado, ao seu dispor.

(Entram os patrocinadores)

Condenados à Felicidade


Ilustração de Kael Kasabian



- Sabe a Clarinha, irmã da Dulce, que se matou o ano passado?
- Sim, me lembro! Aquela que tomou remédio pra dormir e enfiou um saco de plástico na cabeça?
- Essa mesmo. Você acredita que ela vai se casar com o filho do pastor Hans?
- Não me diga uma coisa dessas, menina! E eu que estava arrastando uma asa pra ele. E foi assim, de repente?
- De repente uma ova! Eles estavam num “lovi” desde aquele passeio de jovens, da Congregação de Fiéis do Sétimo Raio Celeste.
- E o pastor já sabe que o Elizelzinho e a Clarinha estão juntos? Você sabe que o pastor alemão não vai com os bofes da Clara, não sabe?
- Sim, sei, mas aconteceu!
- E como foi? Você sabe?
- Nem lhe conto nega, foi amor a primeira mordida! O Elizeuzinho e a Clarinha, no dia do passeio que, aliás, foi um fiasco, se afastaram do acampamento e se mocozaram perto da cachoeira. Você sabe como o pastor é obcecado em separar os sexos nesses encontros de jovens. O cara vê maldade em tudo. Quer ver o filho casando virgem. Depois que a dona Bavária, mulher dele, fugiu com o sacristão Edmundo, ele endureceu na criação do menino.
- E os pombinhos?
- Bem, eles não foram parar na cachoeira pra tomar banho, isso é que não! Foram pros finalmentes, isso é que sim! Acontece que um dos tutores, o Lindalvo surtou.  Acho que você conhece o figurinha?
- Aquele pitbull? Conheço sim. Odeio aquele cara dissimulado!
- Pois o desgraçado foi atrás dos dois! Ao invés de chamá-los e alertá-los, ficou de tocaia, anotando tudo.
- Que nada, ele deve ter ficado é se masturbando, aquele tarado. O cara tem vinte dedos nas mãos e duas línguas. Esqueça essa múmia e conte dos pombinhos.
- Bem, antes de lhe falar dos ‘pombetos’, quero contar outra muito boa. Sabe o Carlinhos, o gorducho, filho da dona Alzira, a cartomante?
- Sei.
- O filho da mãe seguiu o Lindalvo e ficou escondido atrás de uma árvore, e pôde ver tudo o que se passava. Como você acha que eu fiquei sabendo de toda essa história?
- Ah, foi o fofoqueiro do Carlinhos? Só podia ser ele mesmo! Termine de contar a cena da cachoeira.

- Eles se atracaram, nus como duas enguias alucinadas, e fizeram um amor tão espetacular, que deixou o Lindalvo se mordendo todo. O danado ficou com tanta inveja, que saiu correndo pra contar ao pastor Hans.
- Puxa saco invejoso! E aí, e o pastor?
- Ficou sabendo, é claro, e, em seguida, saiu desembestado para a cachoeira, atrás do Elizeuzinho. Ele e o cabeçudo do Pitbull Lindalvo. Chegando lá, os encontraram galopando como dois selvagens. Dava pra ver a baba escorrer da boca do pastor, de tanto ódio, ao ver o filho subindo e descendo da potranca.
- O pastor deve ter sentido é inveja daquilo tudo, isso sim. Tudo isso é de arrepiar.
- Arrepiar? Eles estavam paralisados com a cena. Ver o casal gemendo e se contorcendo dava desespero. A Clarinha, toda achatada, asfixiada pelo Elizeu, gemia: “Ah, entra em mim! Mais fundo, isso, mais fundo!”. Ele agarrava as coxas dela com força, agradecendo por ser o primeiro. Ela delirava sentindo o sêmen quente e ácido, se esparramando dentro do seu ventre úmido e quente. As línguas se sugando num espantoso encontro e as mãos dela agarrando o pênis sólido e do tamanho exato de seu desejo, estrelas transfiguravam seus rostos em êxtase.
- Para, para, que eu já estou excitada! Essa última parte aí, você deve ter lido em algum conto da Rachel Moraes, não é?
- Mais ou menos... Fiz uma adaptação. Pois saiba que foi assim, excitados, que ficaram o pastor alemão e o pitbull Lindauvo.
- Não se esqueça do Carlinhos atrás da árvore!
- Que nada! Ele estava firme, só anotando o desempenho daquilo tudo. Não sabia se olhava pros pombos ou pros cachorros loucos. Os dois homens olharam-se totalmente descontrolados, e sem saber nem como, nem por quê, se atracaram ali mesmo como duas feras, numa fúria bestial. Os dois, com um só pensamento: ‘de que só se vive uma vez’. Numa fração de segundos, suas roupas foram arrancadas, e ali no meio dos gravetos, o Lindauvo se ajoelhou para receber as estocadas no rabo. O pastor gritava de prazer: “Glória Deus nas alturas!”.  Aqueles dois gemiam mais do que o coral das pastorinhas. “É o murmúrio do sangue, louvado seja Deus!”, dizia o pastor e socava o rabo do Lindalvo.
- Essa parte você deve ter tirado do Nelson Rodrigues, né amiga?
- Você não perde nada, hein? Bem, foi nessa luxúria desenfreada de gritos de prazer do pastor e de dor do Lindalvo, que os pombinhos ouviram e vieram ver a inenarrável e dantesca cena do pastor alemão comendo o pitbull.
- Você está de brincadeira, né?
- De jeito nenhum, amiga, é a pura realidade.
- E como eles ficam?
- Oras, ficando! Aquilo se espalhou como o vento pela boquinha santa do Carlinhos. Eles não tiveram vergonha de confirmar. Assumiram tudo.
- Quem diria, hein? O pastor, cheio de hipocrisias, provou do próprio veneno.
- O pastor e o Lindalvo estão vivendo agora na maior felicidade.
- E os pombinhos?
- Se casam agora em setembro. Todos da igreja estão convidados.
- Amiga, eu custo a acreditar!
- Pois acredite, a vida é assim, cheia de surpresas. O pastor disse ao filho que sua vida estava sem oxigênio. Agora não, tudo eram nuvens de algodão. Tudo certo, a não ser pelos telefonemas que eles andam recebendo de madrugada.
- Quais telefonemas?
- Eles não sabem. O Elizeu comentou com a Clarinha, e ela me contou que, todas as madrugadas, o telefone toca na casa deles, e só se ouve uma respiração atormentada, que mais parece uma briga de cachorro louco.