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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Estrada

Tela de Marc Chagall



A estrada que ele rodava

Era de terra dura, escamada,

Com um brilho que esvoaçava,

Agitando sílica no ar.


Couraças de homens brutos

À beira do caminho

Mergulhavam olhos

Dentro do lugar.


Naquele carro, rumo ao sul,

Ele se perdia

Num emaranhado de poeira.


Ia imantado na cabine,

Às mãos grudadas ao volante.

Dos olhos amendoados,

Rasos de líquido verde,

Soltavam tentáculos

Que se enrolavam

Na paisagem atormentada.


Dentro dele

Era tecido um sonho:

Minúsculas conchinhas

Esvoaçavam num delicado bordado.


No fundo de um oceano azulado,

Pulsando no compasso

Do coração dele,

Uma sereia o atraia

Para seus braços.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Prometida

Tela de Frederick Carl Frieseke



Vem cobrir-me de pétalas,

Pois a noite já se dobra sobre mim.

Afasta o meu sono

E fale se é certo o que ouvi.


Diga do vinho que tomou,

Se era mesmo sangue.


Sim, quero saber tudo!

Do tremor das tamareiras

E das espadas reluzentes

Que sangraram sentinelas.


Diga sobre o deserto

E as cabeças descobertas.

Diga se é verdade

Que olhos pediam clemência

E ninguém os via.


Sonhei com o uivo da noite

Gritando piedade

E um rio de sangue

Que transbordava.


Relâmpagos de fogo

Desenham no céu um clamor.


Vem, cubra-me com sua pele fustigada.

Lamberei suas chagas para que se curem

E possas de novo ouvir.


Conte-me que não verei teu sangue

E de teu irmão manchar

Meu vestido

Engastado de lágrimas.


Vem dizer-me

Que há esperança

De ouvirmos a música de jubilo.


Estou insone

Nesta longa noite cega.

Aguardo que minha voz saia e grite:

“Prometida estou

E me encherei de gloria por todos !”